Trancos, barrancos e um silêncio que respira

Escrever teatro, às vezes, é como tentar pentear o vento.

Você senta cheia de boas intenções, papéis em ordem, cafuné no ego. Aí a ideia vem — aquela que parece brilhante, vibrante, cheia de futuro. Você até sorri.

Três páginas depois, tá brigando com um personagem que insiste em virar coach de autoajuda.

É isso. Bem-vinda ao processo.

Porque escrever teatro não é só colocar falas em bocas imaginárias. É escutar o que não é dito. É prestar atenção no silêncio entre uma frase e outra.

É entender que o corpo também fala — e que, muitas vezes, ele grita.

A gente começa achando que vai conduzir a história, que vai amarrar tudo bonitinho com começo, meio e fim.

Mas, na real? A escrita teatral conduz a gente.

Ela te puxa pelo braço e diz: “senta, que quem tá no comando agora sou eu.”

E você vai. Meio cega. Meio surda. Mas vai.

E tem o pântano do meio.

Aquele trecho onde tudo parece lama. A personagem emperra, o ritmo se desfaz, e você se pergunta se ainda sabe escrever.

(Spoiler: sabe. Só tá cansada.)

Nessa parte, escrever é quase como rezar. Você escreve sem saber se alguém vai escutar.

Mas escutam.

Sempre escutam.

E, quando menos espera, o fim dá as caras. Às vezes vem suave, como um sussurro. Outras vezes, ele chega como tapa na cara: seco, direto, inevitável.

Você percebe que o fim sempre esteve lá, espreitando.

Uma cicatriz que você ainda não tinha notado.

Escrever teatro é isso. Um exercício de escuta.

Escuta da ideia.

Do corpo.

Do mundo.

De você mesma.

Se eu puder te deixar com alguma coisa hoje, é isso:

Mesmo quando parecer que não tem mais saída, respira.

Às vezes a cena só tá esperando você voltar pra escutá-la de verdade.

Ela ainda pode virar.

#abr